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Duas técnicas de reprodução dominam a reprodução equina: a Inseminação Artificial (IA) e a Transferência de Embrião (TE).  Com acesso ao semen congelado das melhores linhagens do mundo que levam à globalização da criação mundial e as maior taxas de fertilidade por meio das técnicas no uso de garanhões locais, a monta natural está praticamente em desuso.

Entre os criadores de Cavalo de Salto, cerca de 95% dos produtos nascidos no país são frutos de IA ou TE  - nomenclaturas que também vêm sendo usadas junto aos registros dos respectivos nomes e filiação.  Em 1987 começaram a ser desenvolvidos os primeiros trabalhos com equinos nessa área. “Hoje, nosso país está em terceiro no ranking dos países com maior número de transferência de embriões realizadas ao ano no mundo”, explica Fernanda Saules Ignácio, 29, doutoranda da Universidade Estadual de São Paulo em Botucatu.

A veterinária doutoranda em reprodução equina Fernanda Saules passando ultrassom em uma égua

“Minha tese de doutorado trata de transferência de embriões testando novos protocolos de sincronização entre doadoras e receptoras e avaliação de receptoras com ultrassonografia Doppler. Escolhi este tema porque desde o meu mestrado trabalho com temas que envolvem técnicas utilizadas no dia a dia do veterinário de campo visando ampliar e melhorar a eficiência delas”, complementa Fernanda, formada pela Universidade Federal de Viçosa em Viçosa, MGm, onde também fez residência em Clínica e Cirurgia de Grandes Animais.

Mestre em Reprodução Animal pela Unesp de Botucatu e atualmente Doutoranda do mesmo departamento, Fernanda integra o comitê organizador e o quadro de palestrantes do Curso de reprodução da instituição. 

Aproveitando a experiência e didática da jovem veterinária, confira a seguir a entrevista em que Fernanda explica os conceitos básicos e vantagens das referidas técnicas de reprodução. 

O que é inseminação artificial (IA)? Quais as vantagens de utilizá-la?

Fernanda Saules Ignácio. A inseminação artificial é uma técnica simples de reprodução assistida, porém que traz inúmeras vantagens para a utilização tanto da égua quanto do garanhão. A técnica tem como objetivo a introdução do sêmen por meio de uma pipeta para dentro do útero da égua em um momento próximo da ovulação.

O exato momento em que a inseminação será realizada depende da forma como o sêmen foi armazenado (refrigerado, a fresco ou congelado). De qualquer forma, é necessário fazer a coleta do sêmen do garanhão. Isto permite que o veterinário avalie o sêmen, dilua-o em meios comerciais que reduzem riscos de contaminação e aumentam a viabilidade do sêmen e faça o cálculo da dose ideal.

Imagem de ultrassonografia modo Doppler de um folículo pré-ovulatório de uma égua pronta para ser inseminada

Desta forma, um mesmo ejaculado que seria depositado todo dentro de apenas uma égua na monta natural pode ser dividido para até 6 ou mais éguas dependendo do número de espermatozóides vivos. Para a égua, todas estas etapas promovem grandes vantagens, uma vez que um volume reduzido de sêmen e a diluição nestes meios comerciais reduzem a chance de endometrites (inflamação uterina). Além destas vantagens que são inerentes a técnica, a utilização da inseminação artificial reduz riscos de acidentes com a égua, potro ao pé e garanhão durante o transporte ou durante a monta natural.

O que é transferência de embrião (TE)? E quais as vantagens que a técnica oferece?

Fernanda. A transferência de embriões é a técnica de reprodução assistida que visa retirar o embrião de uma égua doadora previamente inseminada com o garanhão da preferência do proprietário para que este seja transferido para uma égua  com boa qualidade uterina e boa habilidade materna, denominada de receptora.

Três embriões de boa qualidade já coletados e prontos para serem transferidos

Esta égua vai servir como uma barriga de aluguel e criar o potro até o desmame. Várias são as vantagens desta técnica, dentre elas a transferência de embriões permite aos proprietários a obtenção de mais de um produto ao ano de éguas de grande valor, obtenção de produtos de éguas que por algum motivo não possam levar uma gestação a termo, como por exemplo, éguas com idade avançada, ou ainda, produtos de éguas que estão em competições sem retirá-las destas.

Quando as técnicas começaram a ser utilizadas? Quando foram introduzidas no Brasil?

Fernanda. A técnica de transferência de embriões não cirúrgica foi desenvolvida na década de 70 e em 1987 foram realizados os primeiros trabalhos envolvendo esta técnica em equinos aqui no Brasil. Hoje, nosso país está em terceiro no ranking dos países com maior número de transferência de embriões realizadas ao ano no mundo.

Quais as desvantagens da IA e da TE?

Fernanda. A meu ver, o uso destas duas técnicas não traz nenhuma desvantagem para o proprietário ou para o animal. Pelo contrário, evitam a transmissão de várias doenças sexualmente transmissíveis, lesões por transporte dos animais e contaminações uterinas na égua. No entanto, é muito importante considerar a necessidade de várias adaptações de manejo, estrutura, equipamentos e profissionais capacitados para trabalhar de acordo com a necessidade do proprietário e do animal.

Para a realização da inseminação artificial não há necessidade de investimentos altos de infraestrutura, o mínimo, que seria o tronco de contenção, já é o suficiente. Já para instalação de um programa de transferência de embriões um investimento maior é necessário, uma vez que o embrião precisa ser manipulado em um laboratório limpo e com equipamentos ideais para sua manipulação.

Sequência de troncos de contenção

Outra importante questão a ser levantada é o fato da necessidade de receptoras de boa qualidade e em um número razoável para sincronização de doadoras e receptoras, seja na propriedade ou em bancos de receptoras. A ausência destes investimentos e adaptações que promovem as desvantagens que a técnica pode trazer.

Por que algumas associações ainda resistem em aceitar a utilização dessa técnicas reprodutivas? Em quais raças os processos são mais empregados ?

Fernanda. Porque estas associações entendem que, baseados na lei da oferta e da procura, a liberação do uso destas técnicas desvaloriza a raça e seus produtos uma vez que estas técnicas permitem o aumento no número de prenhezes e produtos ao ano de um mesmo garanhão ou égua.

Como é realizada a coleta de sêmen?

Fernanda.  A coleta é mais comumente realizada por meio de uma vagina artificial. É um equipamento simples e leve que permite que mulheres também coletem o sêmen sem maiores dificuldades. O animal monta em uma égua no cio e previamente contida ou então em um manequim, o que torna a coleta ainda mais segura. Após a monta o pênis é desviado para dentro da vagina artificial que contém um copo coletor para depósito do ejaculado. O acondicionamento dos garanhões a esse tipo de coleta normalmente não é difícil.

Quais as principais técnicas de conservação do sêmen? Qual a mais utilizada no Brasil?Por que?

Fernanda. O sêmen pode ser utilizado a fresco, refrigerado ou congelado. E o que determina qual destas formas de utilização do sêmen está mais relacionado ao local onde o garanhão se encontra e à disponibilidade do sêmen. Não há como dizer qual técnica é melhor já que cada uma atinge o seu propósito.

O sêmen a fresco é o que apresenta maior qualidade, no entanto, dura por pouco tempo nessas condições. Assim, quando há a necessidade de envio de sêmen para curtas distancias é preciso refrigerá-lo previamente diluído em meios específicos e em caixas de transporte adequadas. Deste modo o sêmen dura em média 24 ou 48h dependendo da caixa e da temperatura de refrigeração.

Já a congelação de sêmen é uma importante técnica de conservação nos casos em que os garanhões estão em locais muito distantes que impossibilitariam o transporte do sêmen refrigerado ou mesmo após a morte do animal.

No Brasil, o mais utilizado ainda é o sêmen refrigerado. Isto ocorre devido à eficiência de transporte deste e à maior facilidade de acesso ao sêmen de garanhões radicados aqui no Brasil e por preços inferiores ao sêmen de garanhões ativos em outros países.

Quantos embriões uma égua pode fornecer? Existe algum risco para a égua doadora ou receptora? Existe algum risco na IA?

Fernanda. Levando em conta que a maioria das éguas apresenta uma ovulação por ciclo e que este ciclo dura aproximadamente 21 dias é possível coletar um embrião a cada intervalo deste durante a estação de monta. É importante salientar também que algumas raças, como as raças de salto, e algumas linhagens de cavalos apresentam uma alta porcentagem de dupla ovulação, o que permite que sejam coletados até dois embriões em apenas um ciclo.

Características ultrassongráficas de uma égua no cio pronta para ser induzida e/ou inseminada: útero com edema (esquerda) folículo pré-ovulatório (direita)

Claro que a manipulação excessiva ao longo dos anos pode causar algumas alterações no trato reprodutivo das éguas reduzindo a eficiência da técnica, mas a TE não causa nenhuma complicação séria para doadoras nem receptoras se realizada dentro das condições ideais de higiene e utilizando materiais estéreis. Com relação a IA menos complicações ainda podem ser citadas, pelo contrário, é uma forma de prevenir muitas lesões e contaminações na égua e no garanhão.

Quais os predicados especiais procuradas em uma boa égua e também em boa receptora?

Fernanda. A doadora é aquela égua que apresenta alta performance esportiva e/ou alto valor genético e que por algum motivo não pode levar uma gestação a termo, seja pela idade avançada, por qualquer outro problema físico, ou por não poder parar com as competições. A receptora é uma égua selecionada pelo médico veterinário que precisa apresentar várias características como boa qualidade uterina, boa conformação vulvar, grande porte para evitar problemas de parto, boa habilidade materna e ser dócil para facilitar o seu manejo e o do potro que vai nascer.

Quais são os cuidados que se deve ter com as éguas receptoras?

Fernanda. Não podemos esquecer que as receptoras, apesar de serem éguas de baixo valor zootécnico, são peças fundamentais no programa de transferência de embriões. Elas é que vão criar o potro desde a gestação até o desmame. Assim, essas éguas precisam estar em boas condições corporais e de manejo mesmo antes de ser colocado o embrião nelas e para isso devem sempre ser bem alimentadas e manejadas.

Quando é aconselhável a utilização da IA e da TE?

Fernanda. É aconselhável realizar a IA em todas as tentativas de prenhezes para aproveitar as várias vantagens que esta técnica traz para a sanidade da égua e do garanhão. Já a TE, para realmente trazer vantagens financeiras ao proprietário, deve ser utilizada apenas quando a égua de interesse estiver dentro de qualquer uma das características já citadas.

Qual o percentual de sucesso de ambas as técnicas?

Fernanda. Para a IA não falamos em taxa de prenhez uma vez que saber que sua eficiência é superior ao da monta natural é o suficiente para fazer esta a técnica de eleição em qualquer caso. Já para a TE, por ser uma técnica aplicada só em casos específicos e por apresentar várias etapas e chances de erros, esta porcentagem é calculada sim.

Estima-se que a cada três transferências consegue-se uma prenhêz, ou seja, 33% de chance de alcançar uma prenhêz por TE. Mas é claro que esta estimativa pode subir bastante chegando muito próximo dos 100% quando trabalha-se com animais (garanhão, doadora e receptora) de boa qualidade e eficiência reprodutiva.

Para finalizar, você fostaria de destacar algum ponto em especial?

Fernanda. As técnicas de reprodução assistida estão aí para ampliar nossas chances de obter produtos de alto valor genético. Seja com o intuito de aumentar o número destes animais ou para manter em programas de reprodução animais que, por razões diversas, já teriam sido descartados pelos métodos mais antigos. Técnicas seguras e eficazes estão à disposição, assim como uma ampla variedade de profissionais qualificados são formados anualmente para melhor atender o mercado do cavalo. Basta conhecermos e explorarmos todas estas vantagens sempre que necessário. 

Maiores informações: envie um e-mail para nandasaules@gmail.com

Fonte: Entrevista concedida à CBH - Carola May e Luciola Barbosa

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